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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

ÉDOUARD CLAPARÈDE, UM PIONEIRO DA PSICOLOGIA INFANTIL

Édouard Claparède cientista suíço defendia a necessidade de estudar o funcionamento da mente infantil e de estimular na criança um interesse ativo pelo conhecimento


    Na história da educação, o nome do psicólogo suíço Édouard Claparède (1873-1940) se encontra num ponto de confluência de várias correntes de pensamento. Em sua formação, ele absorveu influências tanto da filosofia como da ciência da época. E sua obra favoreceu o desenvolvimento de duas das mais importantes linhas educacionais do século 20, a Escola Nova, cuja representante mais conhecida foi Maria Montessori (1870-1952), e o cognitivismo de Jean Piaget (1896-1980), que foi seu discípulo. 

    Muitos pensadores antes de Claparède pregaram a importância de, na prática pedagógica, se levar em conta os processos mentais e a evolução das crianças, mas o faziam de um ponto de vista eminentemente intuitivo. Claparède, ao contrário, tinha formação em medicina e pretendeu construir uma teoria científica da infância. 

    Na introdução de seu livro Psicologia da Criança e Pedagogia Experimental, o psicólogo diz que o ensino precisaria se basear no conhecimento das crianças tanto quanto a horticultura se baseia no conhecimento das plantas. "Ele achava que a educação deveria passar por uma ‘revolução copernicana’, deixando de ter o professor como centro para gravitar em torno do aluno", diz Regina Helena de Freitas Campos, professora de psicologia da educação da Universidade Federal de Minas Gerais.


Adequação ao ambiente
    Claparède defendia uma abordagem funcionalista da psicologia, pela qual o ser humano é, acima de tudo, um organismo que "funciona". Os fenômenos psicológicos, para ele, deviam ser abordados "do ponto de vista do papel que exercem na vida, do seu lugar no padrão geral de comportamento num determinado momento". Com base nisso, o pensamento é tido como uma atividade biológica a serviço do organismo humano, que é acionado diante de situações com as quais não se pode lidar por meio de comportamento reflexo. "Claparède defendia o estudo dos processos psicológicos como funções de adaptação ao ambiente", afirma Regina Campos.

    Esse raciocínio levou Claparède a formular a lei da necessidade e do interesse, ou princípio funcional, que o tornou conhecido. Segundo ela, toda atividade desenvolvida pela criança é sempre suscitada por uma necessidade a ser satisfeita e pela qual ela está disposta a mobilizar energias. "O interesse é considerado a tradução psicológica da necessidade do sujeito", explica Regina Campos. Cabe então ao professor colocar o aluno na situação adequada para que seu interesse seja despertado e permitir que ele adquira o conhecimento que vá ao encontro do que procura. 

    "É a necessidade que põe em movimento os indivíduos - animais e homens - e que faz vibrar os estímulos interiores para suas atividades", escreveu Claparède. "É isso que se pode notar em todo lugar e sempre, exceto, é verdade, nas escolas, porque estas estão fora da vida."


Aprendizado ativo
    Claparède criticava a escola de seu tempo com os mesmos argumentos do filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952) - com quem compartilhava a pregação por uma escola que chamavam de "ativa", na qual a aprendizagem se dá pela resolução de problemas - e dos pedagogos do movimento da Escola Nova. Todos eles condenavam a escola tradicional por considerar o aluno como receptáculo de informações e defendiam a prioridade da educação sobre a instrução. "O saber não tem nenhum valor funcional e não é um fim em si mesmo", defendia Claparède.

    Surge com esses pensadores a noção de que a atividade, e não a memorização, é o vetor do aprendizado. Daí a importância que Claparède conferia à brincadeira e ao jogo. Eles seriam recursos na estratégia de despertar, no ambiente da escola, as necessidades e os interesses do aluno. "Seja qual for a atividade que se queira realizar na sala de aula, deve-se encontrar um meio de apresentá-la como um jogo", sugeriu Claparède. "Ele sustentava a idéia, totalmente nova para sua época, de que o sujeito psicológico é um sujeito ativo", diz Regina Campos. Segundo o psicólogo, conforme a criança cresce, a idéia de jogo vai sendo substituída pela de trabalho, seu complemento natural. 

    Como os demais defensores da escola ativa, Claparède condenava o ensino de seu tempo por não dar suficiente infra-estrutura aos educadores para uma prática profissional metódica, amparada pela ciência e que permitisse a atualização constante. Mas ele tinha uma visão bem mais utilitária da escola do que seus pares. Em vez de dar à criança condições de viver da melhor forma possível a infância, ele acreditava que a escola deveria priorizar o "rendimento" do aluno, ou seja, justificar os recursos fartos que, naquela época, os governos europeus começavam a canalizar para a educação. A escola, segundo Claparède, deveria formar bons quadros profissionais para servir a uma sociedade que investia nessa formação. O cientista defendia até uma atenção diferenciada para os estudantes que se revelassem mais aptos, de tal forma que pudessem ser submetidos a exigências maiores em classes constituídas apenas de "bons alunos".
 

Escolas talhadas para os alunos 
    Claparède justificava sua proposta de uma "escola sob medida" (título de um de seus livros) dizendo que, na impossibilidade de haver uma escola para cada criança ou para cada tipo de inteligência, o sistema mais próximo disso seria o que permitisse a cada aluno "reagrupar o mais livremente possível os elementos favoráveis ao desenvolvimento de suas condutas pessoais". Para isso, o psicólogo pregava reduzir o currículo obrigatório a conteúdos suficientes para a transmissão de um conhecimento que constituísse "uma espécie de legado espiritual de uma mesma geração", deixando a maior parte do período letivo para atividades escolhidas pelo próprio aluno. Claparède recomendava ainda a adoção de outras estratégias, isoladamente ou combinadas, para o melhor aproveitamento das potencialidades intelectuais dos alunos, como as classes paralelas (uma para os estudantes mais inteligentes, outra para aqueles com maior dificuldade de aprendizado) e as classes móveis (que dariam a possibilidade de um mesmo aluno acompanhar diferentes disciplinas em ritmos diferentes, mais acelerados ou mais lentos, de acordo com suas aptidões).


Para pensar
    Com sua abordagem funcionalista, Claparède foi um dos primeiros cientistas a chegar a uma conclusão a que outros pensadores, de diferentes escolas, também chegaram: o que diferencia o ser humano dos outros animais é a capacidade de transformar a natureza (e os ambientes que o cercam em geral). "É isso que produz cultura", diz a psicóloga Regina Campos. Portanto, é preciso promover atividade na escola para que as crianças construam seu acesso ao aprendizado. Você, professor, costuma ter isso em mente? Você tem o hábito de observar que tipo de atividade faz com que seus alunos transformem necessidade em interesse? E costuma dar condições para que eles possam satisfazer a curiosidade?



Quer saber mais?
Dicionário Biográfico da Psicologia no Brasil, Regina Helena de Freitas Campos (org.), 464 págs., Ed. Imago, tel. (21) 2242-0627, 88 reais 

Educação Funcional, ÉdouardClaparède, 322 págs., Cia. Ed. Nacional (edição esgotada) 

Psicologia da Criança e Pedagogia Experimental, ÉdouardClaparède, 539 págs., Ed. do Brasil (edição esgotada)

terça-feira, 15 de julho de 2014

PAULO FREIRE, O MENTOR DA EDUCAÇÃO PARA A CONSCIÊNCIA

O mais célebre educador brasileiro, autor da pedagogia do oprimido, defendia como objetivo da escola ensinar o aluno a "ler o mundo" para poder transformá-lo.



Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa, em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro de Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.

Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos, Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as "escolas burguesas"), que ele qualificou de educação bancária. Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de uma escola alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para despertar a consciência dos oprimidos. "Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade", escreveu o educador. Ele dizia que, enquanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção de inquietá-los.


Aprendizado conjunto

Freire criticava a ideia de que ensinar é transmitir saber porque para ele a missão do professor era possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o auto-aprendizado. Freire previa para o professor um papel diretivo e informativo - portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade. Segundo o pensador pernambucano, o profissional de educação deve levar os alunos a conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire dizia que ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas. "Os homens se educam entre si mediados pelo mundo", escreveu. Isso implica um princípio fundamental para Freire: o de que o aluno, alfabetizado ou não, chega à escola levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a do professor. Em sala de aula, os dois lados aprenderão juntos, um com o outro - e para isso é necessário que as relações sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos a possibilidade de se expressar. "Uma das grandes inovações da pedagogia freireana é considerar que o sujeito da criação cultural não é individual, mas coletivo", diz José Eustáquio Romão, diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo.

A valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos. Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-chave do vocabulário dos alunos - as chamadas palavras geradoras. Elas devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os integrantes da comunidade em que se atua, como por exemplo "tijolo" para os operários da construção civil. 

Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. "Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas lingüísticas do idioma materno", diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.



Seres inacabados

O método Paulo Freire não visa apenas tornar mais rápido e acessível o aprendizado, mas pretende habilitar o aluno a "ler o mundo", na expressão famosa do educador. "Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)", dizia Freire. A alfabetização é, para o educador, um modo de os desfavorecidos romperem o que chamou de "cultura do silêncio" e transformar a realidade, "como sujeitos da própria história".

No conjunto do pensamento de Paulo Freire encontra-se a idéia de que tudo está em permanente transformação e interação. Por isso, não há futuro a priori, como ele gostava de repetir no fim da vida, como crítica aos intelectuais de esquerda que consideravam a emancipação das classes desfavorecidas como uma inevitabilidade histórica. Esse ponto de vista implica a concepção do ser humano como "histórico e inacabado" e conseqüentemente sempre pronto a aprender. No caso particular dos professores, isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e permanente. Freire dizia, numa frase famosa, que "o mundo não é, o mundo está sendo".



Três etapas rumo à conscientização 

Embora o trabalho de alfabetização de adultos desenvolvido por Paulo Freire tenha passado para a história como um "método", a palavra não é a mais adequada para definir o trabalho do educador, cuja obra se caracteriza mais por uma reflexão sobre o significado da educação. "Toda a obra de Paulo Freire é uma concepção de educação embutida numa concepção de mundo", diz José Eustáquio Romão. Mesmo assim, distinguem-se na teoria do educador pernambucano três momentos claros de aprendizagem. O primeiro é aquele em que o educador se inteira daquilo que o aluno conhece, não apenas para poder avançar no ensino de conteúdos mas principalmente para trazer a cultura do educando para dentro da sala de aula. O segundo momento é o de exploração das questões relativas aos temas em discussão - o que permite que o aluno construa o caminho do senso comum para uma visão crítica da realidade. Finalmente, volta-se do abstrato para o concreto, na chamada etapa de problematização: o conteúdo em questão apresenta-se "dissecado", o que deve sugerir ações para superar impasses. Para Paulo Freire, esse procedimento serve ao objetivo final do ensino, que é a conscientização do aluno.


Para pensar 

Um conceito a que Paulo Freire deu a máxima importância, e que nem sempre é abordado pelos teóricos, é o de coerência. Para ele, não é possível adotar diretrizes pedagógicas de modo conseqüente sem que elas orientem a prática, até em seus aspectos mais corriqueiros. "As qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos", escreveu o educador. "Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com minha arrogância?" Você, professor, tem a preocupação de agir na escola de acordo com os princípios em que acredita? E costuma analisar as próprias atitudes sob esse ponto de vista?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

JOHN DEWEY, O PENSADOR QUE PÔS A PRÁTICA EM FOCO

O filósofo norte-americano defendia a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças.


Quantas vezes você já ouviu falar na necessidade de valorizar a capacidade de pensar dos alunos? De prepará-los para questionar a realidade? De unir teoria e prática? De problematizar? Se você se preocupa com essas questões, já esbarrou, mesmo sem saber, em algumas das concepções de John Dewey (1859-1952), filósofo norte-americano que influenciou educadores de várias partes do mundo. No Brasil inspirou o movimento da Escola Nova, liderado por Anísio Teixeira, ao colocar a atividade prática e a democracia como importantes ingredientes da educação. 

Dewey é o nome mais célebre da corrente filosófica que ficou conhecida como pragmatismo, embora ele preferisse o nome instrumentalismo - uma vez que, para essa escola de pensamento, as ideias só têm importância desde que sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais. No campo específico da pedagogia, a teoria de Dewey se inscreve na chamada educação progressiva. Um de seus principais objetivos é educar a criança como um todo. O que importa é o crescimento - físico, emocional e intelectual. 

O princípio é que os alunos aprendem melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. Atividades manuais e criativas ganharam destaque no currículo e as crianças passaram a ser estimuladas a experimentar e pensar por si mesmas. Nesse contexto, a democracia ganha peso, por ser a ordem política que permite o maior desenvolvimento dos indivíduos, no papel de decidir em conjunto o destino do grupo a que pertencem. Dewey defendia a democracia não só no campo institucional mas também no interior das escolas.


Estímulo à cooperação

Influenciado pelo empirismo, Dewey criou uma escola-laboratório ligada à universidade onde lecionava para testar métodos pedagógicos. Ele insistia na necessidade de estreitar a relação entre teoria e prática, pois acreditava que as hipóteses teóricas só têm sentido no dia a dia. Outro ponto-chave de sua teoria é a crença de que o conhecimento é construído de consensos, que por sua vez resultam de discussões coletivas. "O aprendizado se dá quando compartilhamos experiências, e isso só é possível num ambiente democrático, onde não haja barreiras ao intercâmbio de pensamento", escreveu. Por isso, a escola deve proporcionar práticas conjuntas e promover situações de cooperação, em vez de lidar com as crianças de forma isolada. 

Seu grande mérito foi ter sido um dos primeiros a chamar a atenção para a capacidade de pensar dos alunos. Dewey acreditava que, para o sucesso do processo educativo, bastava um grupo de pessoas se comunicando e trocando ideias, sentimentos e experiências sobre as situações práticas do dia a dia. Ao mesmo tempo, reconhecia que, à medida que as sociedades foram ficando complexas, a distância entre adultos e crianças se ampliou demais. Daí a necessidade da escola, um espaço onde as pessoas se encontram para educar e ser educadas. O papel dessa instituição, segundo ele, é reproduzir a comunidade em miniatura, apresentar o mundo de um modo simplificado e organizado e, aos poucos, conduzir as crianças ao sentido e à compreensão das coisas mais complexas. Em outras palavras, o objetivo da escola deveria ser ensinar a criança a viver no mundo. 

"Afinal, as crianças não estão, num dado momento, sendo preparadas para a vida e, em outro, vivendo", ensinou, argumentando que o aprendizado se dá justamente quando os alunos são colocados diante de problemas reais. A educação, na visão deweyana, é "uma constante reconstrução da experiência, de forma a dar-lhe cada vez mais sentido e a habilitar as novas gerações a responder aos desafios da sociedade". Educar, portanto, é mais do que reproduzir conhecimentos. É incentivar o desejo de desenvolvimento contínuo, preparar pessoas para transformar algo.

A experiência educativa é, para Dewey, reflexiva, resultando em novos conhecimentos. Deve seguir alguns pontos essenciais: que o aluno esteja numa verdadeira situação de experimentação, que a atividade o interesse, que haja um problema a resolver, que ele possua os conhecimentos para agir diante da situação e que tenha a chance de testar suas ideias. Reflexão e ação devem estar ligadas, são parte de um todo indivisível. Dewey acreditava que só a inteligência dá ao homem a capacidade de modificar o ambiente a seu redor.


Liberdade intelectual para os alunos

A filosofia deweyana remete a uma prática docente baseada na liberdade do aluno para elaborar as próprias certezas, os próprios conhecimentos, as próprias regras morais. Isso não significa reduzir a importância do currículo ou dos saberes do educador. Para Dewey, o professor deve apresentar os conteúdos escolares na forma de questões ou problemas e jamais dar de antemão respostas ou soluções prontas. Em lugar de começar com definições ou conceitos já elaborados, deve usar procedimentos que façam o aluno raciocinar e elaborar os próprios conceitos para depois confrontar com o conhecimento sistematizado. Pode-se afirmar que as teorias mais modernas da didática, como o construtivismo e as bases teóricas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, têm inspiração nas ideias do educador.


Uma das principais lições deixadas por John Dewey é a de que, não havendo separação entre vida e educação, esta deve preparar para a vida, promovendo seu constante desenvolvimento. Como ele dizia, "as crianças não estão, num dado momento, sendo preparadas para a vida e, em outro, vivendo". Então, qual é a diferença entre preparar para a vida e para passar de ano? Como educar alunos que têm realidades tão diferentes entre si e que, provavelmente, terão também futuros tão distintos?

quarta-feira, 21 de maio de 2014

LEV VYGOTSKY, O TEÓRICO DO ENSINO COMO PROCESSO SOCIAL

A obra do psicólogo ressalta o papel da escola no desenvolvimento mental das crianças e é uma das mais estudadas pela pedagogia contemporânea.



O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) morreu há mais de 70 anos, mas sua obra ainda está em pleno processo de descoberta e debate em vários pontos do mundo, incluindo o Brasil. "Ele foi um pensador complexo e tocou em muitos pontos nevrálgicos da pedagogia contemporânea", diz Teresa Rego, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Ela ressalta, como exemplo, os pontos de contato entre os estudos de Vygotsky sobre a linguagem escrita e o trabalho da argentina Emília Ferreiro, a mais influente dos educadores vivos. 

A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores interessa em particular os estudos sobre desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de sócio-construtivismo ou sócio-interacionismo. 




Surge da ênfase no social uma oposição teórica em relação ao biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que também se dedicou ao tema da evolução da capacidade de aquisição de conhecimento pelo ser humano e chegou a conclusões que atribuem bem mais importância aos processos internos do que aos interpessoais. Vygotsky, que, embora discordasse de Piaget, admirava seu trabalho, publicou críticas ao suíço em 1932. Piaget só tomaria contato com elas nos anos 1960 e lamentou não ter podido conhecer Vygotsky em vida. Muitos estudiosos acreditam que é possível conciliar as obras dos dois. 


O papel do adulto 

Todo aprendizado é necessariamente mediado - e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo própria aluno. Segundo Vygotsky, ao contrário, o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.

Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o primeiro vem antes. É a isso que se refere um de seus principais conceitos, o de zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender - potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky. 

Expansão dos horizontes mentais

Como Piaget, Vygotsky não formulou uma teoria pedagógica, embora o pensamento do psicólogo bielo-russo, com sua ênfase no aprendizado, ressalte a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, "puxando" dela um novo conhecimento. "Ensinar o que a criança já sabe desmotiva o aluno e ir além de sua capacidade é inútil", diz Teresa Rego. O psicólogo considerava ainda que todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma habilidade ou de um conjunto de informações, mas amplia as estruturas cognitivas da criança. Assim, por exemplo, com o domínio da escrita, o aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento psicológico. 

Para pensar 

Vygotsky atribuiu muita importância ao papel do professor como impulsionador do desenvolvimento psíquico das crianças. A ideia de um maior desenvolvimento conforme um maior aprendizado não quer dizer, porém, que se deve apresentar uma quantidade enciclopédica de conteúdos aos alunos. O importante, para o pensador, é apresentar às crianças formas de pensamento, não sem antes detectar que condições elas têm de absorvê-las. E você? Já pensou em elaborar critérios para avaliar as habilidades que seus alunos já têm e aquelas que eles poderão adquirir? Percebe que certas atividades estimulam as crianças a pensar de um modo novo e que outras não despertam o mesmo entusiasmo? 

domingo, 26 de janeiro de 2014

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA INFÂNCIA

Estudos, pesquisas e livros são boas fontes não só para compreender a relevância do brincar como também para proporcioná-lo às crianças. Mergulhe fundo neles!


Brincar é importante para os pequenos e disso você tem certeza. Mas por quê? Sem essa resposta, fica difícil desenvolver um bom trabalho com as turmas de creche e de pré-escola, não é mesmo? Se essa inquietação faz parte do seu dia a dia, sinta-se convidado a estudar o tema. Ele rende pano para manga desde muito, muito tempo atrás. "Os primeiros questionamentos sobre o brincar não estavam relacionados a jogos, brinquedos e brincadeiras, mas focavam a cultura", diz Clélia Cortez, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo. 


No fim do século 19, o psicólogo e filósofo francês Henri Wallon (1879-1962), o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) e o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) buscavam compreender como os pequenos se relacionavam com o mundo e como produziam cultura. Até então, a concepção dominante era de que eles não faziam isso. "Investigando essa faceta do universo infantil, eles concluíram que boa parte da comunicação das crianças com o ambiente se dá por meio da brincadeira e que é dessa maneira que elas se expressam culturalmente", explica Clélia.




Wallon foi o primeiro a quebrar os paradigmas da época ao dizer que a aprendizagem não depende apenas do ensino de conteúdos: para que ela ocorra, são necessários afeto e movimento também. Ele afirmava que é preciso ficar atento aos interesses dos pequenos e deixá-los se deslocar livremente para que façam descobertas. Levando em conta que as escolas davam muita importância à inteligência e ao desempenho, propôs que considerassem o ser humano de modo integral. Isso significa introduzir na rotina atividades diversificadas, como jogos. Preocupado com o caráter utilitarista do ensino, Wallon pontuou que a diversão deve ter fins em si mesma, possibilitando às crianças o despertar de capacidades, como a articulação com os colegas, sem preocupações didáticas. 

Já Piaget, focado no que os pequenos pensam sobre tempo, espaço e movimento, estudou como diferem as características do brincar de acordo com as faixas etárias. Ele descobriu que, enquanto os menores fazem descobertas com experimentações e atividades repetitivas, os maiores lidam com o desafio de compreender o outro e traçar regras comuns para as brincadeiras. 

As pesquisas de Vygotsky apontaram que a produção de cultura depende de processos interpessoais. Ou seja, não cabe apenas ao desenvolvimento de um indivíduo, mas às relações dentro de um grupo. Por isso, destacou a importância do professor como mediador e responsável por ampliar o repertório cultural das crianças. Consciente de que elas se comunicam pelo brincar, Vygotsky considerou uma intervenção positiva a apresentação de novas brincadeiras e de instrumentos para enriquecê-las. Ele afirmava que um importante papel da escola é desenvolver a autonomia da turma. E, para ele, esse processo depende de intervenções que coloquem elementos desafiadores nas atividades, possibilitando aos pequenos desenvolver essa habilidade. 



Jogar define a organização da cultura humana 


Mais focado na questão do brincar com jogos, o filósofo e historiador holandês Johan Huizinga (1872-1975) se dedicou a observar os aspectos do tema no que diz respeito não só ao universo infantil. Ele se debruçou sobre a questão envolvendo a produção cultural de forma geral, chegando a propor que a nomenclatura Homo ludens fosse usada para distinguir os humanos de outras espécies, como Homo sapiens e Homo faber. 

A razão, de acordo com ele, é a seguinte: os jogos fazem parte de todas as fases da vida e estão na base do surgimento e do desenvolvimento da civilização, a ponto de definir a organização cultural das sociedades. Seus mecanismos e suas estruturas estão na essência, por exemplo, de guerras e leis. Com base em levantamentos históricos, Huizinga apontou que ambas têm características semelhantes às encontradas no funcionamento dos jogos. Há espaços definidos para as jogadas - o campo de batalha e o tribunal, respectivamente - e os adversários competem de acordo com regras no intuito de evitar arbitrariedades. 

O pensamento infantil ainda desafia os pesquisadores Se com os resultados das pesquisas realizadas entre os séculos 19 e 20, várias questões sobre o brincar foram respondidas, ainda existem muitas sem respostas. Hoje, diversos pesquisadores continuam se dedicando ao tema levando em consideração o que Wallon e seus contemporâneos descobriram. 

O filósofo francês Gilles Brougère, por exemplo, se dedica a pesquisar os brinquedos e a relação das crianças com eles em diferentes contextos desde a década de 1970. Ele defende que, mesmo fazendo parte da essência do ser humano, a brincadeira precisa de um contexto social para ocorrer. Com base nessa concepção, define o objeto como algo simbólico e que só tem caráter funcional quando os pequenos o utilizam em brincadeiras. Ao levar em conta esse aspecto, Brougère considera que a intervenção do educador deve ocorrer para socializar as diferentes maneiras de brincar da turma, com conversas e registros. 

No Brasil, núcleos de pesquisas também se dedicam ao tema. É o caso do Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicopedagogia (Gepesp) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do qual faz parte Rosely Brenelli, doutora em Psicopedagogia. Desde a década de 1980, ela se dedica a pesquisar jogos de regra e sua influência nas interações sociais, focando o ambiente escolar. 

O estudo teve como ponto de partida a observação de crianças com dificuldades de aprendizagem para entender como as necessidades delas podem ser supridas com jogos. "Eles surgiram como uma alternativa para o ensino de alguns conteúdos. Mas era necessário entender por que isso ocorria e em que medida seria útil na sala de aula", diz. A pesquisa abordou como as intervenções do educador afetam a construção do raciocínio de uma criança durante o jogo. "Analisamos em que medida isso deve ocorrer para que ela construa suas habilidades." 

Outra brasileira que estuda o brincar é Renata Meirelles, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Com o objetivo de conhecer e divulgar o amplo repertório de jogos, brinquedos e brincadeiras do Brasil, ela se voltou às práticas externas à escola. "Descobri modalidades e variações interessantes a serem exploradas", diz ela. 

Além desses estudiosos, existem outros empenhados em desvendar as questões que envolvem jogos, brinquedos e brincadeiras, a relação deles com os pequenos, com a Educação e com você também. Vale a pena conhecer mais a fundo as pesquisas para enriquecer as experiências da turma. 

Fonte: Revista Nova Escola

terça-feira, 29 de outubro de 2013

COMÊNIO - O PAI DA DIDÁTICA

Comênio, pensador tcheco do século XVII, defendeu o ensino de “tudo para todos” e fundamentou um método para ensinar e aprender

"Didática significa arte de ensinar.” Este é o grande e solene anúncio de Comênio na saudação que faz aos leitores em Didáctica Magna, um tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Como um pensador atento a seu tempo, reúne nesta obra sua proposta metodológica que as escolas deveriam seguir no processo de ensino e de aprendizagem. Trata-se de uma expressão e uma resposta aos desafios sociais e educacionais do século XVII, em que se vivia a passagem da Idade Média para a Idade Moderna. Tudo estava em processo de mudança. Surgiam gradativamente uma nova forma de trabalho, a ciência, a filosofia, a literatura e a educação; realizavam-se grandes viagens; novas terras eram descobertas; tudo se universalizava. Tornava-se necessário que todas essas conquistas sociais e científicas passassem a ser parte do conhecimento escolar. Isso somente poderia acontecer se houvesse um processo pedagógico-didático que fosse do mesmo tamanho dos novos inventos universais humanos.


Comênio preocupou-se em apresentar os fundamentos sobre os quais se pudesse edificar um método de ensinar e de aprender com tal segurança que seria impossível não obter bons resultados. Esse método devia ter um fundamento tão sólido que conduzisse, com certeza e sem erro, ao progresso intelectual. As fontes principais desse método eram duas: a natureza e a tipografia.

A natureza como modelo de ensino 

Em Didáctica Magna, Comênio faz um paralelo entre as coisas naturais e as coisas artificiais para apresentar sua nova arte de ensinar e aprender. Sobre o fundamento da natureza, como modelo da arte de ensinar, ele afirma: “Mas, como este fundamento não pode consistir senão em conformar, com o máximo cuidado possível, as operações desta arte com as normas que regulam as operações da natureza, [...] perscrutemos os caminhos da natureza, servindo-nos do exemplo de uma ave que faz sair dos ovos os seus filhos; e, observando como os jardineiros, os pintores e os arquitetos seguem felizmente os vestígios da natureza, facilmente veremos como é que eles devem também ser imitados pelos formadores da juventude”.

O primeiro fundamento sobre o qual Comênio assenta seu novo modo de ensinar é o da natureza perfeita. Os que seguirem os passos da natureza produzirão obras igualmente perfeitas. O modelo adotado é a ave. Como exemplo dos que seguem o proceder da ave ou da natureza encontram-se os artesãos: carpinteiros, jardineiros, pintores etc.

Ao eleger a natureza como modelo de sua didática, Comênio expressava seu tempo e a ele respondia pedagogicamente. Neste período, a ciência da natureza apresentava um grande desenvolvimento. O homem começava a passar do teocentrismo para o antropocentrismo, colocando o ser humano como centro do universo. Ao conhecer a natureza, o homem podia mais facilmente dominá-la, por isso se tornava senhor dela.

A concepção de natureza que está subjacente na obra de Comênio não é a natureza em si mesma, mas o conhecimento científico que o homem adquiriu sobre ela. Portanto, se os artesãos imitavam a natureza é porque haviam observado e descoberto como ela agia. Por isso, podiam imitar-lhe os passos em suas novas obras artificiais. Assim, ao tratar dos requisitos gerais para ensinar e aprender, Comênio apresenta quatro passos: 

1º. Mostra o fundamento, segundo o qual a natureza nada faz fora de seu tempo. Para exemplificar, toma a ave como modelo. Ela, para multiplicar sua raça, começa a trabalhar na primavera, quando o sol dá vida e vigor a todos os seres. 

2º. Aponta que o procedimento da natureza é imitado pelos artesãos, como o jardineiro que aguarda a hora certa para o plantio das flores. 

3º. Explicita o desrespeito à natureza por aqueles que não seguem seus passos. Contrariando a natureza e os artesãos, que a imitam em suas obras, existe a aberração da natureza: os professores. Esses não seguem o modelo da ave, por isso os resultados de seu trabalho são, em sua maioria, desastrosos para a aprendizagem. Entre as muitas aberrações apontadas, apresentamos algumas: os professores não aproveitam o momento favorável para exercitar as inteligências; não organizam sequencialmente os exercícios; não se preocupam em preparar antecipadamente todos os objetos de que necessitam para o ensino; querem meter na cabeça dos alunos muitas coisas ao mesmo tempo; exigem que os alunos decorem as lições sem tê-las compreendido; obrigam as crianças a aprender pela força; constrangem as inteligências quando obrigam as crianças a fazer coisas superiores à sua idade ou à sua capacidade. 

4º. Apresenta a correção para cada uma das aberrações assinaladas, mostrando como os professores devem imitar os artesãos, que, por sua vez, imitam a natureza que é perfeita. É uma tríplice correção: que a formação deve iniciar-se na primavera da vida, isto é, na puerícia; as horas da manhã são mais propícias para os estudos; tudo deve dispor-se segundo a idade, para que as crianças aprendam apenas aquilo que são capazes de entender.


A tipografia como modelo de ensino 

Se, num primeiro momento, Comênio elege a natureza, numa segunda fase o centro de processo escolar passa a ser a imprensa. Assim se expressa: “Desejamos que o método de ensinar atinja tal perfeição que, entre a forma habitualmente usada até hoje e a nossa nova forma, apareça claramente que vai a diferença que vemos entre a arte de multiplicar os livros, copiando-os à pena, como era uso antigamente, e a arte da imprensa, que depois foi descoberta e agora é usada”.

Como a arte tipográfica é mais adequada para escrever livros com rapidez, precisão e elegância, assim também o novo método servirá para ensinar a um maior número de alunos com maior proveito e prazer. Comênio mostra todas as vantagens que a imprensa tem sobre a arte dos copistas, a tal ponto que deseja até mudar o nome da didática para didacografia.

O pensador compara a arte da tipografia, quanto aos materiais que utiliza e os trabalhos que são necessários para operar o novo invento, com o novo método didático. Assim, na tipografia os materiais são: papel, tipos, tinta, prelo; os trabalhos: preparação do papel, composição, paginação, colocar tinta nos tipos, a tiragem das folhas etc. Os procedimentos da tipografia e da nova didática são os mesmos: “Na didacografia (agrada-me usar esta palavra), as coisas se passam precisamente da mesma maneira. O papel são os alunos, em cujos espíritos devem ser impressos os caracteres das ciências. Os tipos são os livros didáticos e todos os outros instrumentos propositadamente preparados para que, com a sua ajuda, as coisas a aprender se imprimam nas mentes com pouca fadiga. A tinta é a viva-voz do professor que transfere o significado das coisas, dos livros para as mentes dos alunos. O prelo é a disciplina escolar que a todos dispõe e impele para se embeberem dos ensinamentos”.

Comênio, na sequência da citação acima, analisa, comparativa e detalhadamente, cada um dos procedimentos do tipógrafo e do professor, evidenciando sua nova arte e desejando que ela se instaure quanto antes em todas as escolas. O professor já não necessita imitar os artesãos, mas os tipógrafos, que não imitam diretamente a natureza natural, mas a natureza artificial.

Tanto no modelo da natureza quanto da tipografia, Comênio faz uma leitura cuidadosa e perspicaz de seu tempo. Percebeu que o bom professor não se faz em sala de aula com os métodos tradicionais de ensino. O bom professor é aquele que vive o seu tempo histórico-social, o registra e o leva para a sala de aula dando-lhe uma forma didática adequada para que os alunos aprendam de forma sistematizada o conteúdo e o constituam como parte de resposta aos problemas postos pela sociedade.

O modelo de professor que Comênio nos apresenta é o de um clássico, ou seja, de alguém que lê o seu tempo, o registra numa determinada perspectiva pessoal e social e o comunica à sociedade. Assim são os clássicos da música, da pintura, da escultura, da filosofia, da ciência e da educação. Comênio é um clássico da educação e da didática. Foi um revolucionário educacional do século XVII. Por isso imortalizou-se com suas obras. Elas expressam seu tempo e a ele respondem pedagogicamente. Os clássicos devem ser lidos e entendidos dentro de seu momento histórico. A eles é necessário retornar, mesmo que vivamos imersos na imensidão de obras de grandes pensadores atuais.

Os clássicos nos ensinam a ler o mundo e a registrar de maneira original sua apreensão. Eles não resolvem nossos problemas, mas nos ensinam a captar e responder ao nosso momento, com instrumentos e tecnologias de nossa época. Retornar a Comênio é progredir na educação e na didática.